A Herdeira das Sombras [Trilogia das Joias Negras #2] - Anne Bishop


Chegamos ao segundo volume (se não leu o primeiro, saia daqui agora e vá para este outro endereço) da Trilogia das Joias Negras praticamente sem fôlego. Se no livro anterior ficamos encantados com a menininha tão meiga e sombria em partes iguais, neste ficamos estupefatos com o poder da mulher. Jaenelle Angelline começa A Herdeira das Sombras com a alma em frangalhos. Ainda no Reino Distorcido, sem querer voltar para seu corpo, ela passa dois anos tentando reconstruir seu cálice de cristal. Ninguém poderia saber quando, ou se ela voltaria, e não poderia haver medo maior do que o de perder sua grande Rainha.

Na trama cruel de Heketah, muito mais pessoas ainda vão sair machucadas: ao fazer Lucivar acreditar que Daemon havia matado Jaenelle, ela não só conseguiu destruir a confiança entre os irmãos, como também jogar Daemon no Reino Distorcido. Ele não sabe mais o que houve naquela noite depois dos acontecimentos de Briarwood, e acreditando numa versão da história completamente contrária a realidade, é guiado diretamente à loucura. É por essa razão que quase não o vemos neste livro. E isso foi tão triste! Senti muito a falta de Daemon.

Por outro lado, o sumido do volume anterior tem um bom destaque desta vez. Lucivar é tudo aquilo que imaginamos e um pouco mais. Bishop é boa nisso, em cumprir as expectativas. Jaenelle que o diga, não é mesmo? Acredito que a maior dificuldade nesse modelo da jornada do herói seja cumprir as promessas, mostrar por que esse herói foi escolhido, fazê-lo ser tudo aquilo que as profecias juraram de pés juntos que seria. Parte desse deslumbramento real que sentimos se deve àquela técnica que mencionei antes, de nunca usar o ponto de vista narrativo da lenda, assim, tudo que sabemos de Jaenelle é aquilo que os outros estão pensando. E não, não saber os pensamentos da Feiticeira não faz falta. Suas ações já nos dizem tudo, nos fazem ter certeza do que se passa na cabeça de Jaenelle em alguns momentos, e não ter a menor ideia em outros. E isso completa nossa Rainha: ao mesmo tempo que todos vivem se maravilhando com ela, não temos tempo para pensar "nossa, que exagero", já que nunca tivemos margem para tal. Sofremos as angústias de tentar decifrar seus mistérios junto com os outros personagens. Aquecemos nossos corações com seus bons atos, e energizamos nosso sangue com seu imenso poder junto com eles, sempre assistindo tudo da distância perfeita. Jaenelle é talvez um dos nossos maiores exemplos de heroínas (super) fortes da fantasia. 

A história começa amarrada no final da anterior. Bishop quis mostrar o quanto um estupro pode afetar alguém, até a Feiticeira. Mesmo sendo a pessoa mais forte de todas fisicamente, psiquicamente, e bem forte emocionalmente, a violência deixou sérias marcas na moça. E como alguém tão forte foi estuprada? Não houve nenhuma quebra de padrões ou sentido aqui, sabemos desde o início da trilogia que a Noite da Virgem é a mais perigosa para as fêmeas dos Sangue. A vulnerabilidade é tão grande, que elas podem ser quebradas para sempre. Não seria diferente com Jaenelle, que aliás tinha apenas 12 anos e não fazia muita ideia do que estava acontecendo. Saetan, Daemon, e Surreal tentaram de tudo para salvá-la, mas infelizmente chegaram um pouco tarde. Por sorte, não tão tarde demais.

Depois de dois anos da tentativa de Daemon de tirá-la do Reino Distorcido, Jaenelle finalmente desperta, finalmente consegue colocar os cacos no lugar. Todos menos um, a memória daquela noite, e de todas as outras em que sofreu em Briarwood junto com as outras meninas e seus algozes pedófilos. Daemon também não se encontrava mais nas suas memórias, e Saetan desconfiava que até ela estar pronta para encarar todo o sofrimento novamente, não deveria falar nada.

Essas cenas de Jaenelle em sua nova casa (ufa, Saetan é um pai ótimo), e do começo de algumas maquinações das antagonistas são bem monótonas. Elas são necessárias em certo grau, precisamos acompanhar como se dá esse relacionamento pai e filha, como Jaenelle se comporta depois de tudo que aconteceu, e como vai crescer. Mas foi um tanto exagerado, metade daquilo poderia ser tirado. O livro de verdade começa depois da chegada de Lucivar, e vai até os 20 anos de Jaenelle. Aí sim as coisas ficam empolgantes e maravilhosas! Lucivar é um ótimo irmão mais velho, e rendeu batalhas eletrizantes também.

Uma nova aparição muito bacana: os Parentes, animais que também são Sangue. Lobos, cavalos, unicórnios, gatos, cães... Jaenelle se comunica e cria grandes laços com todos. Sabemos que as feiticeiras e rainhas tem grande ligação com a terra, mas a Feiticeira tem mais ainda. Porém, ela não é a única que consegue se comunicar. Todos os Sangue podem, só precisam se lembrar de como fazer isso. Saetan permite que os Parentes passem uns tempos no Paço dos SaDiablo junto com sua filha, e fica mais maravilhado a cada dia.

Quem aparece também para ficar uns tempos no Paço são os amigos de Jaenelle. Para aqueles que a consideravam solitária, foi cair do cavalo na hora. Além de todos os parentes, a moça tem laços com Rainhas, Principes e Senhores da Guerra de todos os territórios de Kaeleer. Até mesmo as Aracnes e as childru dyathe. Mortos, vivos... Parece que basta existir para se afeiçoar à Feiticeira. Eles rendem cenas maravilhosas e super divertidas, sendo a melhor delas, sem dúvida, a final. Não tenho palavras para descrever como o desfecho de A Herdeira das Sombras me deixou. Eu simplesmente não acredito que a continuação não foi lançada no Brasil ainda! Saída de Emergência, por favor, mexam uns pauzinhos para nós. Estamos desolados.

Nossa ambientação é muito melhor neste segundo volume. Já estamos familiarizados com todos os termos, regras, mitologias, e até mesmo expressões. Mãe Noite! O universo dos Sangue nos acompanha até mesmo na hora de dormir, nos sonhos. As descrições muitas vezes poéticas das magias, que tornam tênue a linha entre físico e psíquico ficam tão naturais que a imagem se forma perfeita em nossas mentes. Uma coisa muito interessante, é que O Reino Distorcido, que podemos interpretar como um estado de loucura, é um lugar dentro da psique de alguém. Tanto que para sair dele, é uma longa escalada que poucos conseguem realizar. As descidas em espiral para dentro do ser para se juntar poder, as viagens por ventos das Joias... Tudo isso que antes era tão complexo e esquisito, fica fácil de compreender.

Para finalizar, uma crítica: uma obra dessa qualidade não merecia tantos erros de revisão. Palavrinhas faltando no meio das frases, erros ortográficos, de concordância, "ele"/"ela" trocados nos diálogos... Por mais que dê para entender e acompanhar, é realmente triste. A Trilogia das Joias Negras é uma ótima série de fantasia, com uma proposta muito original e os meios para chegar lá. Com certeza merece mais uma revisão e um lançamento sem esses erros. A Saída de Emergência caprichou na beleza do livro, agora falta caprichar no livro em si, pela credibilidade da editora e até mesmo da obra. Mas não deixem de ler, confiem em mim, vale à pena.

O que será que me espera no terceiro e último volume? Quero mais Daemon, mais Lucivar, mais Surreal, e com certeza muito mais Jaenelle brilhando ainda. Leia um trecho do livro!

"A ideia de Sylvia sobre o vestuário apropriado para uma garota não incluía um único vestido, e a única concessão que ela e Jaenelle tinham feito à insistência de Saetan para que todos no Paço se vestissem a rigor para o jantar foi uma camisa preta comprida e duas blusas. Quando ele argumentou – com muita sensatez – que calças, blusas, e camisas compridas não eram artigos exatamente femininos, Sylvia lhe pregou um longo sermão, cujo ponto central era que o que quer que uma mulher gostasse de vestir era feminino e o que não gostasse de vestir não era, e se ele era teimoso e antiquado demais para compreender isso, então era melhor que enfiasse a cabeça num balde de água fria. Muito embora não a tivesse perdoado inteiramente por ter acrescentado que teriam de procurar bastante para encontrar um balde grande o suficiente para comportar sua cabeça, admirara a audácia do comentário."

"Enviando cautelosamente uma sonda psíquica, Lucivar detectou todos os odores emocionais. Em Zuultah havia entusiasmo e a maldade de hábito. De Dorothea emanava ansiedade e medo. Sob a raiva do Príncipe desconhecido havia sofrimento e culpa. O medo de Dorothea era o mais interessante, uma vez que signifi cava que Daemon Sadi ainda não tinha sido recapturado. 20 Um sorriso cruel e satisfeito torceu os lábios de Lucivar."
"E vejam só o que aconteceu à Feiticeira seguinte, pensou Andulvar desanimado. Jaenelle Angelline era uma criança poderosa e extraordinária, mas, 23 ainda assim, tão vulnerável como qualquer outra criança. Todo aquele poder não tinha impedido que fosse esmagada por segredos de família sobre os quais Andulvar e Saetan podiam apenas conjecturar, assim como pelas maquinações maldosas de Dorothea e de Hekatah com o objetivo de eliminar a única rival que poderia pôr fi m ao jugo que exerciam no Reino de Terreille. Ele não tinha dúvida de que eram elas que estavam por trás da brutalidade que havia levado o espírito de Jaenelle a abandonar o corpo."

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O cordel de Dandara

Seremos 44% nesta Flip

A Filha do Sangue [Trilogia das Joias Negras] - Anne Bishop